Lampreia



Descrição

“Ó lampreia divina, ó divino arroz, Comidos noite velha, em casa do Julião! Sem ter ceias assim o que há-de ser de nós? Sofre meu paladar! Chora meu coração!” Afonso Lopes Vieira Reza a História que, ao tempo do Condado Portucalense, D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, concedeu em 1125 ao Arcebispado de Tui o privilégio de tomar como suas as lampreias que apresassem no rio Minho, a montante da Torre da Lapela, a fim de abastecer os mosteiros e conventos por ocasião dos jejuns quaresmais. Mais recentemente, foi nas estantes da Biblioteca de Nápoles encontrado uma obra-prima da culinária portuguesa, remontando ao século XVI, com o título “Livro de Cozinha da Infanta D. Maria”. Com efeito, são inúmeras as referências históricas a tão afamada especialidade da nossa cozinha tradicional. "A lampreia já sube os rios para desovar, depositando sob as rochas ou em pequenos ninhos escavados no leito milhares de minúsculos ovos que garantirão a sobrevivência da espécie. E morrem. Após a desova, as larvas permanecem no rio até que, por meio de metamorfose se tornam adultas. Nessa altura, migram para o mar onde permanecem até atingirem a sua maturação sexual." As lampreias são ciclóstomos de água doce ou anádromas com forma de enguias, mas sem maxilas. A boca está transformada numa ventosa circular com o próprio diâmetro do corpo, reforçada por um anel de cartilagem e armada com uma língua-raspadora igualmente cartilaginosa. Várias espécies de lampreia são consumidas como alimento.[1] As lampreias são classificadas no clade Hyperoartia, dentro do filo Chordata, por oposição aos Gnathostomata, que incluem os animais com maxilas. Todas as espécies conhecidas são agrupadas na classe Petromyzontida ou Cephalaspidomorphi, na ordem Petromyzontiformes e na família Petromyzontidae. Ver também.[2] Algumas espécies de lampreias têm um número de cromossomas que é recorde entre os cordados, chegando a 174. A larva ammocoetes tem um tamanho máximo de 10 cm, enquanto que os adultos podem ultrapassar 120 cm. Algumas espécies de lampreias são usadas como alimento. No sul da Europa, sobretudo em Portugal, Espanha e França, a lampreia é tida por iguaria requintada, sendo vendida nos restaurantes a preços muito elevados. Em Portugal, a lampreia é comida sobretudo em arroz de lampreia, com uma confecção próxima da cabidela, e à bordalesa, um guisado normalmente acompanhado de arroz. Alguns restaurantes e casas fazem-na também assada no espeto, e outros ainda fazem-na de escabeche. Em Portugal, a lampreia é comida de finais de Janeiro a meados de Abril. A preservação da lampreia nos nossos rios depende também da importância que lhe atribuímos, nomeadamente como parte integrante da nossa alimentação. Ao contrário do que à primeira vista se possa imaginar, não é a pesca mas a poluição das águas e outros atentados ao ambiente que fazem perigar a sua sobrevivência. Em virtude do período sazonal da desova, o seu consumo verifica-se geralmente entre Fevereiro e os finais de Abril. A partir daí, a lampreia apenas surge figurada na doçaria da Páscoa sob a forma de “lampreia de ovos”, e evocar as delícias de um prato que apenas pode voltar a ser apreciado no ano seguinte. Não admira, pois, que chegue inicialmente a atingir preços exorbitantes que, no entanto, não constituem razão que baste para desmotivar os melhores apreciadores de tão delicioso pitéu. Refastelando-se na sua casa senhorial de Paredes de Coura, Aquilino Ribeiro, na sua obra “A Casa Grande de Romarigães” afirmava: “Não há como o arroz de lampreia, se lhe adicionarem uma colher de manteiga de pato”. Por seu turno, o poeta e gastrónomo António Manuel Couto Viana, no seu livro “Por horas de comidas e bebidas – crónicas gastronómicas”, dedica um capítulo inteiro à “lampreia divina”, como Afonso Lopes Vieira a designou. Escreveu Couto Viana o seguinte: “Já a correnteza das águas que jorram da vizinha Espanha se enfeitam com o aparato das estacas e redes, para prenderem, nas suas malhas, noite adiante, o fugidio ciclóstomo, a tentar disfarçar-se aos rés dos seixos do leito; o chupa-pedras tão apreciada por mim, quando de cabidela, afogado no arroz malandrinho, embebido no seu sangue espesso e escuro. Também a fisga certeira, atirada, firme, dos altos, se os olhos penetrantes do pescador distinguem bem o vulto ondeante, faz içar a lampreia até às mãos ávidas, e lança-a, depois, para a vastidão de um saco que se quer a abarrotar. (…) Soberbo petisco! Com que gula a mastigavam os frades medievos torturados pelos jejuns quaresmais! Com que gula a mastigo eu, em mesa que ma apresente opípara no arroz do tacho, em grossos toros aromáticos, ou à bordalesa, ou de escabeche, que nestas três artes se mantém ela tentadora e sápida”. Com o talento dos mais consagrados artistas, cozinheiro após pelar a lampreia coloca-a num alguidar deitando sobre ela água a ferver. De seguida, abre-a da cabeça até ao fundo dos buracos e, junto à cauda, desfere-lhe um golpe para lhe retirar a tripa inteira. O sangue é guardado no mesmo recipiente onde a lampreia fica a marinar mergulhada em vinho tinto a que se juntam um ramo de salsa, uma folha de louro, um dente de alho, pimenta, colorau, sal e margarina. No dia seguinte, é feito um refogado onde é colocada a lampreia que fica a cozer durante cerca de quinze minutos, cuidando para que não se desfaça. Após o guisado, retira-se a lampreia. Ao caldo junta-se água no triplo do arroz que vai ao tacho e deixa-se ferver durante mais quinze minutos. Finalmente, serve-se numa travessa funda, cobrindo o arroz com a lampreia, golpeada em troços." Esta constitui uma das especialidades da gastronomia minhota que merece ser regada com os melhores vinhos verdes da nossa região Procure adquirir Lampreias vivas e que, na sua maioria, sejam fêmeas, pois as mílharas (ovas) irão enriquecer o arroz. Ao amanhar as Lampreias não as mantenha, por muito tempo, na água a ferver. Um ou dois segundos é suficiente pois, de contrário, o sangue poderá coagular e esse é um ingrediente indispensável para uma boa confecção deste prato. As Lampreias devem ser introduzidas, uma a uma, na água a ferver e, de imediato, raspadas com uma faca. Devem, ainda, ser esfregadas com um pano áspero, para que saia qualquer viscosidade que ainda tenha ficado. Lave-a bem em água morna. Se pretende aproveitar a cabeça limpe-a bem, corte a cavidade bocal e retire os olhos. Retire também o fel, mas com muito cuidado, já que se o parte a Lampreia ficará intragável. Se não tem experiência, ou tem falta de tempo, o melhor é cortar a cabeça e não a aproveitar. Pelo mesmo motivo, não parta a tripa da Lampreia. O recipiente a utilizar na Marinada não deverá oxidar pelo que deverá utilizar um alguidar de barro vidrado, uma taça grande de vidro ou um recipiente inox. Para facilitar a operação do amanhar da Lampreia o vinho deverá estar em garrafas. Ingredientes: 10 Lampreias | 05 litros Vinho Tinto maduro, frutado, 13º, não muito velho, preferencialmente Dão ou Bairrada | 06 cabeças grandes de Alho | 03 cabeças de Alho Pôrro (alhos silvestres nascido nos campos e não alhos franceses) | Arroz Carolino q.b. | 04 Folhas de Louro | Salsa fresca (um bom ramo) | Sal q.b. | 01 Noz-moscada (ralada na hora) | Pimenta Moída q.b. | 01 colher de Vinagre Tinto Para os Refogados: Azeite q.b. | Cebolas | 02 dentes de Alho | Sal q.b. | 01 colher pequena de Vinagre Tinto Preparação: Coloque o recipiente indicado em cima da mesa ou banca e, na frente, a garrafa de vinho tinto. Pegue na Lampreia e corte-a dando um golpe até meio do dorso. Sairá sangue e deve deitar logo um pouco de vinho. Deverá ter muito cuidado já que nesse local começa a tripa. A mais ou menos seis centímetros faça outro golpe - sairá sangue, deve deitar vinho. Repita estas operações até perto da cabeça. No segundo golpe, puxe a tripa com cuidado para não a partir - para facilitar a operação utilize um palito dos dentes e coloque uma linha a apertar o começo da tripa. Repita as operações nas restantes Lampreias. No final, terá dentro do alguidar vinho, sangue e as ovas que caíram quando deu os golpes (caso as Lampreias sejam fêmeas). Marinada: Coloque no alguidar (para cima das Lampreias) o Sal, o Louro, a Noz-moscada ralada na hora, os Alhos normais partidos aos bocadinhos, os Alhos Pôrros também partidos, um bom ramo de Salsa fresca e a Pimenta. Se as Lampreias não ficaram totalmente cobertas com o vinho, deite mais, até as cobrir completamente. Mexa tudo para incorporar sabores. Mantenha as Lampreias nesta Marinada durante um dia e meio ou, no mínimo, de um dia para o outro. Durante este tempo mexa-as, pelo menos, duas vezes, para incorporar sabores. Lampreias: Prepare um bom refogado, com um pouco mais de azeite do que o habitual. Junto com a cebola migue dois dentes de alho. Deixe alourar. Dentro do tacho coloque a marinada, sem as Lampreias, e deixe ferver para que o álcool do vinho se evapore. Junte as Lampreias e deixe-as cozer lentamente durante 01h e 15m a 01h e 30m. É o tempo suficiente para a cozedura. Prove. Se for necessário rectifique os temperos. Quando estiverem prontas retire-as do lume. Arroz: O Arroz de Lampreia deve ser apresentado tipo arroz "malandro" ou arroz "a correr". Sendo que, na sua preparação é necessário utilizar três vezes o líquido (calda das Lampreias) correspondente à medida de arroz. Prepare um refogado. Deixe alourar a cebola picada e o alho. Introduza a água necessária para o arroz abrir e, quando isso acontecer, utilize a calda das Lampreias necessária para acabar de cozer o arroz. No final rale para o tacho um pouco de Noz-moscada e um pouco de Vinagre tinto. Mexa. Se for necessário preparar o Arroz para muitas pessoas, quando o primeiro tacho de Arroz abrir deve iniciar a preparação do segundo, para que ao verificar que o Arroz do primeiro Tacho está a ficar "empapado", ter logo outro pronto a servir. Acompanhamento: Deverá ter em atenção que a Lampreia à Moda de Penacova é acompanhada com grelos de nabos cozidos, bem escorridos, salteados com azeite e alho. Apresentação: Em Penacova era tradição servir separadamente, em travessas, a Lampreia, o Arroz e os Grelos. Em alguns locais mantém-se esta forma de apresentação. Se optar por juntar a Lampreia ao Arroz deve sempre servir os Grelos em separado. A acompanhar deve ser servido um bom vinho tinto que poderá ser o mesmo com que a Lampreia foi cozinhada. Bom Apetite!