Termas das Caldas do Gerês

Terras de Bouro



Descrição

Caldas do Gerês [O Balneário] Época termal 1 de Maio a 31 de Outubro Indicações Cirroses hepáticas, congestões hepáticas, catarros tóxicos ou infecciosos das vias biliares, nefrites, reumatismo, catarros das mucosas. Excitante da célula hepática. (Correia 1922) Doenças hepatobiliares, hepatites icterogénicas, obesidade, diabetes, gota, litíases renais e úricas, reumatismos crónicos, alergias, hipertensão arterial. (Anuário 1963) Fígado e vesícula, hipertensão, obesidade, diabetes, cálculos renais e biliares, reumatismos crónicos (folheto 2005) Tratamentos/ caracterização de utentes Ingestão de água Balneoterapia: banhos de imersão, de bolha de ar, subaquático, hidromassagem, banho a vapor, duche circular e de agulheta. Electroterapia: diatermia, ultra-sons Termoterapia: calor húmido; pressoterapia venosa; massagem parcial e geral. Ventiloterapia Programas de bem-estar termal de 2, 3 e 6 dias e programas de estética termal (folheto 2005) Instalações/ património construído e ambiental Integradas no Parque Natural da Serra do Gerês, as Caldas são local de passeio e veraneio com milhares de visitantes anuais. Recentemente a recuperação urbana da vila devolveu-lhe o encanto de estância do século XIX, com os seus grandes hotéis e esplanadas que terminam no colonato da buvete, concluído em 1927, na entrada do Parque Tude de Sousa. Dos curiosos tanques de forma cúbica que permitiam a utilização da água em banho e vapor, edificados em 1735, não restam mais que fotografias. As Caldas do Gerês apresentavam-se em 1899 como uma estância moderna, com dois balneários, hotéis e chalets de férias ao longo da rua principal. Em 1944 entrava finalmente em funcionamento o hospital termal para pobres: “Para doentes pobres, há um hospital termal, com duas enfermarias de 10 camas cada uma, cómodo e limpo, subsidiado pelo Instituto de Assistência à Família.” (Anuário1963). Embora este hospital esteja desactivado, as termas e a vila foram recentemente objecto de grandes obras de ampliação dos balneários e reestruturação urbana. Natureza Bicarbonatada sódica e cálcica, silicatada, fluoretada, litinada, levemente sulfídrica, hipomineralisada (0,29 g a 0,33 g), hipo, meso e hipertermal (18º a 48,2º), radioactividade 1,12 mm e 0,69 mm. (Correia 1922) Carbonatada sódica, fluro-carbonatada, 47º (cit. Acciaiuoli 1952, I:172-3) “Tem composição de sulfúrea sódica mas o enxofre sulfúreo na emergência encontra-se já todo oxidado, no estado de tiossulfato […] Além do flúor, o discutido elemento do Gerez, aliás encontrado em quantidade notáveis noutras águas originárias da profundidade de rochas plutónicas, os exames espectográficos também revelaram aqui a existência de césio, prata, chumbo e germânico em quantidades vestigiárias, oligoelementos que muito possivelmente intervêm nos processos enzimáticos do organismo.” (Almeida e Almeida 1988) Acciaiuoli (1944, IV: 124) refere um manuscrito encontrado e publicado por Rocha e Brito (1934), com a data de 1680, em que o cirurgião Manuel Vieira e Lemos refere umas caldas achadas na Serra do Gerês, “ ao pé de uma dilatada penha da qual rebentam cinco bicas de água, tão copiosas como frequentadas e aplaudidas com os seus miraculosos efeitos; porque acudindo a elas grande número de enfermo, guiados só da notícias; e sendo aliás de diversas enfermidades que por muitos anos padeciam sem esperança de remédio o alcançaram”. É o primeiro documento que testemunha o aproveitamento desta água nos tempos modernos; a exploração romana é testemunhada por achados arqueológicos descobertos nas obras para novas captagens em 1896. Estas duas descobertas foram posteriores à redacção de "O Gerez thermal: historia, hydrologia, medicina", de Ricardo Jorge (1888), publicada por este médico quando da formação de uma sociedade para exploração destas águas. Ricardo Jorge deixou esta obra de que marcou a hidrologia portuguesa e que é, apesar de esquecida, uma óptima peça de literatura. Sobre a exploração romana, Ricardo Jorge afirma “Não, infelizmente; não iluminam os escudos romanos os pergaminhos do Gerez. Os audazes dominadores não respiraram os vapores das caldas, apesar de transporem de lado a lado a famosa cordilheira que lhes serve de berço.” O autor refere a conhecida lenda dos pastores que notaram que “saía fumo da margem do rio”, mas comenta que “esta aparição bucólica das águas aos pastores tem os seus ares de lenda; é uma velha «ficele» de descobertas milagrantes, ainda há pouco repetida nas fontes santas de Lourdes e Salete”. Para Ricardo Jorge, o primeiro aproveitamento terapêutico das águas coube ao médico de Covide Manuel Ferreira de Azevedo, ainda no final do século XVII. A sua narrativa sobre o Gerês aborda de seguida os hidrologistas que a partir do século XVIII se interessaram por estas águas, começando pelo médico Francisco da Fonseca Henriques e o seu “Aquilégio Medicinal” (1726), sobre o qual comentou: “ Sem regatearmos justos louvores à tentativa do Mirandela, empenhado em favor de uma causa científica e humanitária, devemos dizer que o traíram as forças ao meter os ombros a tão árdua empresa. As generalidades indispensáveis de hidrologia e de clínica termal desdenhou-as totalmente, entregando-se apenas à especificação descritiva das águas lusitanas. E essa tarefa hidrográfica é com pouco critério desempenhada; mais de metade do livro é uma farragem inútil sobre fontes, rios, lagoas, cisternas, de um préstimo medicinal perfeitamente fantástico, profusamente exibido pelo Mirandela que parece comprazer-se em relatar contos de velha, superstições e milagrices.” (IV: 31) No rol dos que citaram as Caldas do Gerês, sucede-se o antiquário Argote, “o Padre D. Jerónimo Contador de Argote” (1732), que, num repositório das antiguidades e curiosidades do Distrito de Braga, descreveu as nascentes do Gerez: “Pendendo logo o bordão das petas, diz que o lodo das águas «é da cor do ouro e luz como o fosse», e que «o mesmo sucede à prata se depois de metida naquela água a tiram para fora»”. Em relação ao Abade António Martens Beleza, autor do opúsculo “Método practico para se tomarem as águas do Gerez” (1763), Ricardo Jorge mostra-se mais generoso: “Peça documental de primeira ordem para o processo histórico da medicina termal portuguesa, passou completamente despercebido a todos quantos se têm ocupado do Gerez. Contribui para este injusto esquecimento a sua raridade ou a ignorância da sua real valia? Seja como for, devo declarar que o Methodo Practico é a primeira monografia de águas minerais portuguesas, traçada sem os arrebiques postiços de incomodas citações e baseada quanto possível na experimentação pessoal.” Ricardo Jorge compara-o ainda com as “Observações de um curioso” (1752) também escritas por um não médico. Vem depois Frei Cristóvão dos Reis, autor de "Reflexões Experimentais e Métodos Botânicos” (1779), que é descrito por Ricardo Jorge como “descalço de fradaria e de química”. Ainda do século XVIII, são referidos dois manuscritos. O primeiro é da autoria de António de Mena Falcão, com o título “História Phisico-médica das Caldas do Gerez”, de que Jorge só conheceu a referência bibliográfica. O segundo manuscrito, “Diário filosófico da Viagem ao Gerez”, é da autoria de Joaquim Vicente Pereira de Araújo, e seria publicado em 1949 por iniciativa de Celestino da Maia.Esta viagem ao Gerês foi patrocinada pelo arcebispo de Braga D. Gaspar, e terá ocorrido em 1782. Pereira de Araújo fez-se acompanhar de Maia Coelho, a quem couberam as observações matemáticas. O diário é um relato curioso e lúcido de uma excursão mineralógica, onde as Caldas do Gerez são descritas como não tendo “nenhum asseio”, sem médico ou cirurgião, onde se tomava banho sobre a “sentinela de um moço armado” e onde reinava a autoridade do mais forte ("a pobre humanidade em Argel é mais bem tratada”). A propósito desta descrição, comenta Ricardo Jorge: “ E se tu ressuscitasses – alma caridosa e inteligente – conhecerias ainda com mágoa o teu fóssil Gerez, sem medico nem policia, com os atoleiros das ruas e os porcos tanques – museu zoológico de insectos e parasitas e répteis nojentos. Apenas te seria dado contemplar a traquitana da Companhia e a mesa redonda do Hotel – mimos desconhecidos nos teus tempos bárbaros; mas o pobre, meu socialista, ainda sem conforto nem amparo, vê-lo-ias repelido, não pela espingarda do capitão mor, mas pelas leis económicas, armas mais certeiras, que afugentam os humildes, tornando-lhes impossível a vida termal pela extrema carestia.” Se este parágrafo nos informa sobre a continuação do mau estado das caldas, também denuncia que a “Companhia” de Ricardo Jorge e Marcelino Dias, ainda não formada, já se sentia senhora da exploração termal, mesmo antes de qualquer contrato que lhe desse a concessão. No parágrafo seguinte Ricardo Jorge comenta a organização comunitária vigente ao tempo de Pereira Araújo na Serra do Gerês: "O profligador do despotismo cru que imperava nas Caldas, era naturalmente afecto ao regime republicano e primitivo dos povos gerezianos, formando um estado autónomo e democrático, regido por conselhos de anciões, divididos em tribunais onde se decidem todos os pleitos e se tomam todas as decisões referentes às coisas da administração e agricultura. Esta constituição politica, hoje substituída pela sabedoria mandante do regedor e pelas regalias dissolventes do sufrágio, que formoso trecho não é de sociogenia, digno até de ser aproveitado por um Spencer ou um Schaeffe para o estudo evolucionista das instituições dirigentes” Ricardo Jorge encerra as descrições do Gerês por viajantes do século XVIII com a referência à do naturalista e botânico Link entre 1797 e 1799, patrocinada pelo conde de Hoffmansegg: “O Gerez foi um dos «clous» da expedição, tanto pelo lado pitoresco como naturalista. Logo que chegou às faldas da magestosa serra, o sábio alemão extasiou-se perante os primores da paisagem. «Viajante algum percorrerá sem grande prazer estes sítios encantadores que às belezas de um clima quente reúnem a frescura de um clima do norte…». Região alguma lhe desperta em Portugal tão saudosas impressões, nem a agigantada Serra da Estrela que ele percorreu friamente, ferido do contraste agreste com as belezas incomparáveis do Gerez” (p. 43) Ricardo Jorge adjectivou Link com rasgados elogios: “um sábio encarnado num poeta”, um “ famoso forasteiro que dos nossos granjeou como poucos, foros de gratidão e benemerência.” Link hospedou-se um mês no Gerez e calcorreou a serra, deslumbrando-se com a sua flora e desenhando-a. Descreveu a cabra montesa, animal hoje extinto, cujo último exemplar, “uma cabra velha”, terá sido avistado por Ricardo Jorge em 1887. A geografia da cordilheira fascinou-o mas lamentou não poder calcular as altitudes, porque a curiosidade “bestial dos frades do Bouro” partira o seu barómetro. Quanto às Caldas, descreve os tanques de banho com as suas cúpulas, de porta tapada com lençol se ocupados, numa povoação que já contava com algumas casas de um andar, um boticário mas sem médico. Descreve os seus frequentadores, as fidalgas minhotas seguidas de escudeiros, a colónia inglesa do Porto, os lavradores abastados e inúmeros pobres que enchiam as Caldas nos meses de Verão. Chegado o Inverno, a povoação esvazia-se: “ Link, muito despeitado com este abandono, estigmatiza tamanha incúria. «As Caldas, na extrema do reino, escondidas numa região selvagem, jazem esquecidas pelo governo». E oitenta anos depois ainda era verdade o dito amargo deste amigo dos portugueses e do Gerez” (p. 44). O capítulo V é dedicado por Ricardo Jorge aos “Gerezistas Modernos”, em primeiro lugar Francisco Tavares, cuja obra “Instruções e cautelas”, podia “ dignamente por honra nossa vir após a melhoria das obras publicadas no princípio do século nos principais centros médicos da Europa.” Mas Tavares nunca se deslocou ao Gerez, as suas informações recebeu-as de outros: “Recorreu ao expediente de que já se servira para outras caldas, de traduzir em Farenheit ou Reaumur os adjectivos com que os seus informantes marcavam a sensação recebida pela mão imersa na água […] Com esta termometria fantástica ajoujou uma química de igual jaez”. A determinação termométrica das águas coube ao médico de Montalegre José dos Santos Dias (1778-1846), entre 1811 e 1812, com publicação no "Jornal de Coimbra" em 1813. Este médico foi também autor do manuscrito “Memória histórico-topográfica das Caldas do Gerês” , publicado em 1942 por iniciativa de Tude de Sousa, com duas reedições posteriores da Câmara Municipal de Terras do Bouro (1991 e 2001). Ao abordar o gerezista seguinte, Ricardo Jorge previne que o faz de “mau grado”. Trata-se do “Ensaio físico-médico das Caldas do Gerez” do médico Inácio António da Fonseca Benevides, impresso em 1830: “Deixa uma impressão penosa a leitura dele; é uma obra de fancaria, o tal Exame, com pouca ciência e consciência, a incorporar-se dignamente na bagagem médico-literária que pesa sobre a memória do Dr. Benevides, deixando muito à dependura a sua imortalidade académica “ (p. 49) Benevides era médico em Lisboa e muito provavelmente nunca foi ao Gerez; para Ricardo Jorge, nunca o vira “nem pintado” e o seu interesse por esta água ter-lhe-ia chegado de Inglaterra, onde era muito utilizada por médicos, exportada pela colónia inglesa do Porto. Benevides utilizou-a no seu hospital em Lisboa. No final do seu "Ensaio", Benevides refere sete Observações dos seus doentes tratados com esta água: um caso de cólica hepática; dois de dispepsia; um de nifritis calcolosa (pedra nos rins); um de disenteria crónica; um de digestão laboriosa e por fim uma menstruação dolorosa. As conclusões dos tratamentos parecem de um médico do início do século anterior, com “moléstias” que se deslocam do exterior do corpo para o interior. Na Observação de um doente de cólica hepática: “I.C.S., homem de 50 anos, de um temperamento bilioso-linfático […] Cumpre notar que este sujeito tinha em outro tempo sofrido artrites nas pequenas articulações dos pé e das mãos, e que depois que sofria destas cólicas nunca mais padeceu delas […] Gastou 24 garrafas, restabeleceu perfeitamente. Desta observação se infere que esta cólica hepática parece ser devida a artrite que se deslocou das extremidades para se fixar no fígado e intestinos, e produziu ao principio esta moléstia, a qual parece ter desaparecido com o uso da água do Gerez”. "Noticia topographica e physica do Gerez, e das suas agoas thermaes", publicada em 1848, é da autoria do médico José Pinto Rebelo de Carvalho(1792-1870), o único homem que terá tratado o Gerês “com ciência e amor”, segundo Ricardo Jorge, que o definiu como “poeta e escritor, botânico e geologista, publicista e politico [que] pertencia aquela forte estirpe de médicos ilustríssimos que não comprimem a sua capacidade cientifica dentro dos estreitos limites profissionais” (p. 51). Estirpe esta em que evidentemente o nosso autor também se incluía, embora fosse pouco provável que tivesse conhecido Rebelo de Carvalho, clínico no Porto, pois este emigrara em 1849 (no ano seguinte à publicação da sua "Notícia") para o Brasil . O único senão da “Noticia”, para Ricardo Jorge, é que o autor se “difundisse em estiradas transcrições e se emaranhasse com pouca ordem e método”. Na descrição geológica da serra e da sua botânica, Rebelo de Carvalho mostra-se conhecedor das últimas correntes científicas do seu tempo. O mesmo não acontece na parte histórica, onde o texto é uma colagem de fragmentos de outros autores, destacando-se o “senão” apontado acima. Quanto à descrição das Caldas, havia algumas modificações, a mais importante das quais era para Ricardo Jorge que “as casinholas ao tempo já gozavam do luxo nunca visto de umas portas de madeira”. De resto tudo continuava na mesma, uma miséria contra a qual se manifestou Rebelo de Carvalho (“parto da ignorância e da barbaridade”). Foi o primeiro a determinar a presença de sódio e sílica nestas águas, definindo as suas qualidades organolépticas, considerando-o Ricardo Jorge como “pioneiro da hidrologia cientifica das Caldas do Gerez”. Em 22 de Janeiro de 1801 a Academia Real das Ciências tinha aberto concurso para a sua colecção de “memórias”, cujo tema era “Uma análise química médica das águas termais do Gerez com significação das moléstias em que o seu uso é indicado”, premiando quem a realizasse. Rebelo de Carvalho nunca apresentou os seus trabalhos a concurso, por modéstia e por ser “reconhecedor da insuficiência do seu trabalho”(p. 53). O prémio veio a caber a Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, visconde de Vila Maior (1809-1884), químico, reitor da Universidade de Coimbra, que no princípio da sua carreira se interessou por análises de águas, vindo depois a debruçar-se no estudo do vinho e da viticultura. Ricardo Jorge considerava que as análises de Pimentel erravam “nas pesagens dos resíduos e seus componentes, muito especialmente no respeitante à soda e à potassa, que ele encontrou proporções quase idênticas. Como a cota de sílica fosse um pouco avantajada, Oliveira Pimentel considerou as águas do Gerez como saliciferas e teve a desgraçada ideia de as aproximar das águas dos Géisers da Islândia” (54) Quanto ao "Estudo preliminares das águas minerais do Reino" (1867), elaborado por uma comissão nomeada pelo governo, à qual presidia Agostinho Lourenço (“químico de primeira nomeada”), Ricardo Jorge dizia deste trabalho ser “modesto o título, e mais modesto o conteúdo; sucinto e incompleto, não satisfaz à mais moderadas exigências. Sente-se a precipitação do trabalho, e os resultados inspiram confiança limitada e ministram dados escassos. O primeiro arranco da comissão era já desfalecido e estertoroso, como se a morte lhe bafejara a nascença.” Para terminar o capítulo do “Gerezista Modernos” Ricardo Jorge nomeou dois seus contemporâneos, os médicos José de Andrade Gramacho (ou Gramaxo) que promoveu o seu renascimento e José António Marques, médico militar e sifiliógrafo. Ambos conheceram o Gerês como aquistas, encontrando alívio aos seus males nestas águas. Gramacho não deixou obra escrita mas foi grande divulgador das águas do Gerês nos tratamentos hepáticos e biliares de que ele próprio sofria. Marques deixou obra escrita, “uma modesta memória”, com o título “O Gerez presente e futuro”, onde a sua principal preocupação foi de “descortinar o «cur» e o «quomodo» da acção poderosa das águas termais. Irrita-o o mistério; e o curioso médico, emaranhado em hipóteses e pesquisas, debate-se impaciente na solução do impenetrável problema hidrológico. O Gerez era-lhe uma Isis, de que ele por jeito ou por força queria rasgar o véu teimoso”. O interesse de Ricardo Jorge, médico epidemologista e higienista, pelas Caldas do Gerez iniciou-se com o pedido que lhe fez o químico Adolfo de Sousa Reis, em 1886, para comentar a sua análise das águas do Gerês, feita no ano anterior. Foram essas “excelentes análises” que o levaram a interessar-se pelas águas minerais do Gerês, segundo a sua própria informação no prefácio ao Gerez thermal, despertando nele “o espírito na direcção do problema da hidromedicina geresiana”. Em 1887 esse interesse pelas águas do Gerez levou-o a elaborar um requerimento pedindo a sua concessão, onde contou com vários colaboradores, como o médico Marcelino Dias, o químico Sousa Reis e o capitalista Manuel Joaquim Gomes. O requerimento deu entrada no Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria a 20 de Junho de 1887 (Maia 1959). Este pedido foi transformado em concurso público e publicado no Diário do Governo a 14 de Agosto de 1888, ano da publicação de “O Gerez Thermal”, apresentando-se como únicos candidatos uma empresa formada pelos dois médicos. A 7 de Dezembro de 1888, o governo adjudicou por contrato provisório as águas medicinais do Gerês a uma empresa formada por Ricardo de Almeida Jorge e Paulo Marcelino Dias de Freitas, “distintíssimos médicos e eminentes professores”, pelo prazo de 50 anos. Esse contrato necessitava da aprovação da Cortes para se efectivar, e foi apresentado a 30 de Janeiro de 1889. Esteve em discussão nas sessões de 2 e 22 de Junho e 5 de Julho desse ano, e depois de agitados debates foi aprovado o texto inicial do contrato com algumas emendas. “O Gerês tornava-se um feudo da companhia, que teria por servos os pobres enfermos”, afirmou o deputado Guilherme Abreu a dado momento da sua intervenção. A propósito dos preços a praticar, lembrou à assembleia que as qualidades terapêuticas das águas eram para doenças do fígado e estômago, e que “das pessoas que frequentam o estabelecimento thermal 9/10 pelo menos, só tomam águas, e assim é com o fornecimento destas que especialmente deve haver o maior cuidado e escrúpulo […] A 1$000 réis por litro, como pretendem os concessionários, é uma usura revoltante e inaudita [...] Em quase todos os outros estabelecimentos análogos, essas águas se dão de graça a todos, ricos e pobres, e de graça deviam continuar a dar-se, como dom gratuito e munificência da natureza que são.” (Ver Leis e Debates Parlamentares 2004) O contrato definitivo foi publicado no Diário do Governo a 25 de Julho de 1889, e assinado a 16 de Setembro. A 10 de Março do ano seguinte por escritura lavrada no Porto, esta concessão foi vendida a uma sociedade anónima, a Companhia das Caldas do Gerez, de que foram sócios fundadores Ricardo Jorge e o capitalista bracarense Manuel Joaquim Gomes (Maia,1959), afastando-se assim Paulo Marcelino do processo de exploração hidromedicinal das Caldas do Gerês. Nesse mesmo ano inicia-se a subscrição de acções da companhia com um capital social de 70.000$000 reis. Nestes títulos figurava um desenho do estabelecimento termal que se proponham construir (Maia, 1959, 20), onde se vê um edifício de duas alas de um piso, que ladeiam um corpo central de dois pisos coroados por uma cúpula; nas extremidades das alas, dois “torreões” de um só piso mais elevado, coroado por um telhado de quatro águas, numa volumetria possivelmente semelhante ao actual edifício termal. Em 1891 Ricardo Jorge publica “Caldas do Gerez - Guia Thermal”, como passo seguinte do que ele próprio apelidou a “via sacra” (no prefácio ao "Guia Thermal"), cuja última estação seria a concretização do estabelecimento termal. A direcção clínica pertencia a Ricardo Jorge, que a exerceu de 1889 a 1892, mas quanto as inovações prometidas, sabemos pelo relatório do inspector de Obras Públicas de Braga, em Abril de 1890, que muito pouco se tinha feito: “Não foi alterado, nem sofreu o mais insignificante melhoramento […] Os concessionários limitaram-se a canalizara água da Forte para o primeiro pavimento do Hotel Universal […] para ali fornecerem banhos de imersão e duches. Os banhos são dados em nove banheiras de zinco, havendo um único aparelho de duche […] o engarrafamento da água para exportação, continua a ser feito na rua.” (cit. Acciaiuoli 1944, III: 134) Em 1893 o engenheiro Alfredo Freire de Andrade escreve no seu relatório de visita “não existe hoje no Gerês, estabelecimento algum de banhos, além do que já existia no século passado” (ibidem). A 17 de Junho de 1893 a Companhia das Caldas do Gerez abriu falência, e a 31 de Março de 1894 foi publicado um decreto de rescisão do contrato por não cumprimento das regras da concessão, ao que se seguiu um longo processo na justiça. O médico e director clínico das Caldas do Gerez, Celestino Maia, a propósito deste envolvimento de Ricardo Jorge nas Caldas do Gerez, comenta que “Ricardo Jorge triunfou em toda a linha e com brilho invulgar nas múltiplas actividades de médico, de escritor e de cientista; mas, como administrador e gerente da única empresa industrial que cremos tenha gerido na sua vida, ficou longe de mostrar os mesmos talentos” (Maia 1959, 21). Mas a propaganda feita em volta do estabelecimento termal tinha resultado, tanto que Lopes (1892: 259) escreveu que “o estabelecimento termal do Gerez é dos mais bem afamados de Portugal, e nele, devido à excelente direcção do ilustre médico o Sr. Ricardo Jorge, se respeitam cuidadosamente todos os preceitos de higiene. Possuem aparelhos para se aplicarem duches e todos os outros processos da moderna hidroterapia, e é bastante concorrido durante os meses de verão por numerosos enfermos que ali muitas vezes encontram alívios a seus males”. A exploração viria a ser concessionada em 1896 à Empresa das Águas do Gerez, que em 1899 abriu os novos balneários. Sarzedas (1907) na sua visita de inspecção de 1906 não poupa elogios ao estabelecimento termal, aliás dois, um “luxuoso” para banhos de 1ª e 2ª classe, um outro “mais modesto “ para banhos de 3ª, 4ª classe e indigentes. Mas a parte mais interessante do seu relatório é o capitulo dedicado à salubridade do local, que o autor considera excelente tanto no estabelecimento como no sistema de hospedagem com 10 hotéis e “chalets”, que asseguravam uma capacidade de hospedagem superior a 800 pessoas. Mas o que estava mal na salubridade do local eram as moradas dos seus naturais e residentes: "Desde a acumulação individual até à promiscuidade animal, nada falta ao péssimo acondicionamento dos seus casebres, para fazer perigar a saúde dos que lá residem e dos que se lhes avisinham. Debaixo daqueles tetos, de tão mal talhado abrigo, a custo se renova o ar, e jamais se limparam pavimentos ou branquearam paredes” . Mas não só a falta de condições higiénicas assusta o inspector. Também os atritos existentes entre os naturais e os visitantes punham em causa a segurança tanto do pessoal do estabelecimento termal como os próprios “curistas”: “Ainda por ocasião da ultima inspecção que ali fiz em Setembro de 1906, fui testemunhar perturbações de gravidade, presenceando que muitos populares se dirigiam, armados de espingardas e foices, a um dos mais frequentados hotéis, ameaçando os seus hospedes, na saída do jantar, com o fim de maltratarem um de entre eles que a provocação levara, horas antes, a intrometer-se numa contenda travada entre homens do lugar e um empregado superior da estância. Nem o Sr. Manuel Francisco da Costa e o Sr. Meneres do Porto, dois dos principais accionistas, e, ao que creio, directores da empresa, escaparam com esta qualidade, ao insulto e à ameaça. A policia higiénica e a policia civil são, pois, muito mal cumpridas no Gerez. Não de hoje, se sempre”. Em 1927 foi urbanizado o pequeno aglomerado das Caldas, ficando concluída a colunata do final da avenida. Estes trabalhos obrigaram à demolição da capela, sendo construída uma outra. Foi ainda construído um Hospital Colonial, mas a sua abertura só veio a ocorrer em 1944. A propósito deste hospital, escreveu o médico Armando Narciso (1939): “No Gerez existe, há anos desaproveitado um hospital termal destinado a coloniais. Edificado pela empresa exploradora das águas, por imposição do Governo, ao Governo foi entregue e ali espera ser utilizado e se o não for, dentro em pouco, cairá em ruínas, esquecido pelas entidades oficiais. Seria este hospital o primeiro de uma série de estabelecimentos termais e climáticos de assistência a coloniais, que se tornava necessário construir nas principais estâncias hidro-climáticas do nosso país. Mas se este do Gerez ali se arruína ao abandono, como poderemos esperar que outros se levantem e venha a ser utilizados?" Em 1944 era director clínico das Caldas do Gerez Celestino Maia, eminente hidrologista que se dedicou ao estudo das aplicações terapêuticas das suas águas na normalização da biligénese (1944) e nas tensões arteriais elevadas (1947), na sua aplicação em doenças cutâneas (1950) e na excreção (1952) e eliminação da ureia (1955). Em 1998 o projecto europeu Thermaios dedicou-se ao estudo das termas do vale do Cávado (Gerez, Caldelas e Eirogo). A equipa chefiada por Xavier Baibe apresentou ás respectivas autarquias e concessionários das águas propostas de renovação do conceito de termalismo. Assim, Eirogo seria convertida numa quinta rural com termalismo não concretizado (cf. Relatório), e no Gerês os trabalhos seriam de reconversão urbana e recuperação do património construído, além da animação termal e da criação de um clube de saúde. Ainda nesse ano de 1998, foi feito novo contrato de exploração com a Empresa de Águas do Gerez, onde são agora sócios maioritários a família Van Zeller, viticultores conhecidos sobretudo pela empresa Sogrape.

Localização

Avenida Manuel Francisco da Costa, Caldas da Gerês, 4845 067, Terras de Bouro

Latitude

41.7278108000

Longitude

-8.1622530000

Site

TERMAS DAS CALDAS DO GERÊS